domingo, 13 de novembro de 2011

UM CONTO NOVO...


A MULHER PERFEITA

- Tou te dizendo, ela é a mulher mais perfeita que eu já conheci, cara.
- Não acredito, não existe mulher perfeita.
- Essa é. Não tem defeito. Já procurei. Já tentei fazer ela ficar com raiva de mim, já dei em cima de amiga dela, já viajei sem avisar, furei compromisso. Nada. Ela, nada de sair do controle.
- E coisa de casa?
- Sabe fazer tudo: lava, passa, cozinha perfeito. E ainda trabalha fora e ganha mais que eu.
- E na hora ‘h’?
- É um vulcão. Faz tudo o que eu peço e não faz nem carinha de nojo.
- Bonita?
- Linda, linda!!
- Não pode ser.
- Mas é. Vou te apresentar.
- É porque tá no começo.
- Nada, cinco anos já. Já dava pra saber quem é ela, não acha?
- Cinco anos, sim, já dá.
- Pois é isso.
- Mas será que ela não vai mudar depois de te amarrar?
- Não. A mãe dela é do mesmo jeito, o sogrão contou. E uma irmã também, o marido me diz todo dia: “Casa logo, cara. Tu tirou a sorte grande.”
- É isso aí, então. Vai fundo.
- Vou mesmo, mês que vem, noivo de aliança e tudo. Já marcamos a cerimônia.
- E como é o nome dela? Adriana, que tu disse?
- Não, Ângela. Ângela Marchusci.
Aí ele lembrou de uma loirinha magrinha que ele amassou no colegial, meio cândida, meio ingênua, meio delicadinha demais. Ângela Marchusci, era esse mesmo o nome dela, ele nunca esqueceria. Aí ele se arrependeu muito de não ter agora a Ângela-mulher-perfeita-Marchusci, com quem Alexandre iria casar e que faria dele (Alexandre) o homem mais feliz do mundo.

(SLZ, 12.11.11)

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

DIA DE LEMBRAR...

CINEMA NA UFMA


AMANHÃ TEM MUIRAQUITÃ
Amanhã inicia o festival do mês de novembro do Cineclube Muiraquitã. O tema deste mês é 'cinema e africanidade': um passeio por filmes que têm a África como pano de fundo. O filme de abertura é "Barravento", de Glauber Rocha.
Amanhã, 18h, na UFMA/Imperatriz.
O Muiraquitã está agora em novo espaço: o laboratório de TV.
O espaço é pequeno, só cabem 20 pessoas. Garanta sua vaga...

domingo, 18 de setembro de 2011

UM CONTO PROSAICO


MATA-MURIÇOCA
Gostava de ficar à noite na frente da TV matando muriçocas com as mãos. Matava em si, na mulher, nos meninos e até nas visitas, se essas fossem um pouco mais chegadas.
Quando não conseguia matar uma no corpo das pessoas, levantava e batia palmas ao léu, até esmagá-la. Se não esmagasse, ficava praguejando e olhando com o canto do olho, pra ver onde ela parava. Se fosse na parede, não esmagava lá, pra não sujar e levar bronca da Paula. Era uma noite de briga quando ele deixava aquele sangue preto na parede. Espantava a bicha e era só ela descolar da parede pra ‘zapt’, uma a menos, uma a mais na mão suja.
Muitas vezes acordava no meio da noite, acendia a luz do banheiro pra ficar o quarto no lusco-fusco e ele enxergar as vítimas. Ia apertando uma por uma no corpo da Paula, depois tirando pro sangue não secar na pele dela e ele levar bronca logo no café da manhã. Passava horas assim. Quando não tinha na Paula, ia pro quarto dos meninos fazer o mesmo serviço. Lá era melhor, porque os meninos só dormiam sem lençol e se tornavam um estacionamento de muriçocas pesadonas de sangue de criança.
Ocorria também de matá-las de manhã, sacudindo as roupas nos cabides e batendo palmas loucamente, enquanto elas voavam baratinadas. Chegava a assassinar cinco, seis numa palmada só, a mão cheia de borrões vermelhos.
No seu aniversário de 50 anos, ganhou da irmã uma daquelas raquetes elétricas, a bateria. Boa ela: matava um monte de uma vez só, nem precisava levantar, era só passá-la pelo ar que as bichinhas se pregavam na grade de metal e morriam torradas, fazendo um barulho enorme e deixando um cheiro esquisito, de carne seca queimada. Se usasse muito, tinha que deixar meia hora pra recarregar e voltar à chacina por mais umas duas horas, até o braço cansar.
Mas começaram os problemas. Não podia passar a raquete pelas pessoas, que reclamavam com medo do choque. A Paula brigava agora mais com ele porque ficavam uns pedacinhos de muriçoca pretos pela casa, em cima do sofá, pregavam nos pés dela, além de aquele barulho atrapalhar a televisão. Um dia um dos meninos encostou a raquete no outro, de mal, e ele passou a noite chorando, a Paula o culpou pela falta de cuidado com o equipamento. E uma noite, enquanto ele passava a raquete pelo rosto da Paula pra pegar uma bem gordinha, ela voou, se pregou na tela e fez um barulho maior que o normal, a Paula acordou assustada e, no instinto, deu com o nariz na raquete, levou um choque e ficou com uma mancha preta uns dois dias, nem pó disfarçava. Passaram uma semana sem se falar, não adiantaram desculpas.
Ele foi obrigado a se desfazer do brinquedo. Mas continua na ativa, no método tradicional. As muriçocas não acabam nunca.
(Imperatriz, 18.09.11)

domingo, 11 de setembro de 2011

NOVO CONTO


ESCRÚPULOS DE SANGUE
Ele, na verdade, queria a irmã dela. Mas a irmã não caiu na rede dele, a mais velha foi mais fácil. Duas saídas e já a tinha levado pra cama, num hotelzinho vagabundo do centro da cidade. E aí começaram os amarramentos.
Aos trinta anos já, a irmã queria um namoro sério e ele foi ficando nessa condição. Começou a frequentar a casa, às noites, depois passou a ir de dia mesmo, os pais dela não se importavam, eram uns ‘coroas legais’, como ele dizia pros colegas. “Acredita que os coroas já deixaram eu comer ela lá no quarto dela?”. Os amigos duvidavam.
Mas a irmã não saía dos seus planos. Queria-lhe muito. Fazia todos os estratagemas para encontrá-la pela casa, ficava esperando chegar da faculdade, a despeito de ver o final de um filme, só para dar boa noite e vê-la entrar naquele jeans apertado que deixava à mostra todas as formas com que ele sonhava de noite e, invariavelmente, acordava molhado.
Dois anos de namoro, a irmã engravidou e tiveram que consumar o casamento, antes que a barriga aparecesse. Casaram no religioso, cerimônia simples, mas todos os parentes próximos lá.
Mudaram pro Mato Grosso, ela passou num concurso para um desses milhares de tribunais. Ele foi acompanhando, como professor de Matemática não teria problemas de se colocar.
O filho chegou e com ele a irmã, que viera passar um tempo ajudando, pois estava sem fazer nada depois da formatura. E talvez conseguisse uma colocação como assistente social, “o mato grosso é uma fronteira a desbravar”, todos diziam na família.
Um dia a irmã teve que viajar para uma diligência de rotina, coisa do serviço. Só uma semana, ela prometeu ao marido.
No terceiro dia, Ronaldo invadiu o banheiro em que Sandra tomava banho. Invadiu, a bem dizer, é um exagero, pois ela deixou a porta aberta. Amaram-se na lajota fria, no estreito corredor em frente ao do vaso e à pia, a porta escancarada e a criança chorando, com certeza de fome. Dali até a irmã chegar, amaram-se todas as noites, na cama dela, pois a dele não podia desonrar. Era um homem com escrúpulos de sangue, não podia destratar a dignidade da mulher.
Quando Cíntia chegou, encontrou uma casa em perfeita harmonia. Dali a dias, Sandra anunciou que não ia mais embora, que ia tentar mesmo a vida no Mato Grosso, a fronteira a desbravar, e que ela podia viajar tranquila sempre que precisasse.

ITZ, 11.09.11