segunda-feira, 15 de agosto de 2011

UM CONTO NOVO, DE ONTEM


CINCO MINUTOS GUARDADOS*

Acendeu o cigarro e ficou na rede, olhando para uma foto antiga na parede. Era uma foto de quando eles começaram a namorar, coisa de uma ou duas semanas depois, ele não se lembrava direito. Só sabia onde tinha tirado, numa cachoeira pequenininha, uma água fria que doía de ficar embaixo. Ela insistiu pra tirarem aquela foto ali, fazendo pose de beijo de língua enquanto um amigo clicava. Três cliques pra poder dar aquela imagem que ele agora vê enquanto dá baforadas vagarosas e balança a rede, devagarinho, com o pé.
Não tirava Marília da cabeça. Oito meses já desde que ela, na casa dele, lhe deu aquela facada.
“Ela se apaixonou por aquele filho da puta do Cristiano. E ele comeu ela aqui na minha casa.” O cigarro já pelo meio e as lembranças vão e vêm, aos borbotões. Invadiu a casa dela, deu um murro na cara do Cristiano, depois um soco no estômago e a gravata. Marília chorava e gritava, pedindo perdão, a mão puxando com força para soltar a gravata que ia matando o Cristiano aos poucos. Por fim, ele soltou e partiu pra cima dela, puxando-a pelos cabelos até a porta do apartamento e deixando bastante machucada, com dois pontapés. Saiu correndo pelo prédio, desorientado. Só apareceu em casa três dias depois, um trapo humano, os parentes já rodando hospitais, IML, a zona barra pesada aonde de vez em quando ele ia, ligando pras rádios e tal.
Cristiano sumiu. Marília mudou para o sul, ele não sabe pra qual cidade, ninguém diz nada. Aos poucos, a vida foi voltando ao normal. Mas toda vê que ele deita naquela rede...
O cigarro está no toco. Fernando não vai acender outro. Precisa ir dormir, amanhã cedo tem batente o dia todo, segurança de um shopping center. Talvez ainda sonhe com ela, de vez em quando acontece. Mas os sonhos não o atormentam, os sonhos são fichinha perto dos pesadelos que tem deitado na rede, nos cinco minutos que duram o cigarro antes da cama.
*Título de uma música dos Titãs.

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